Com 250 anos de história e uma riqueza cultural enorme, o Santuário do Caraça é reconhecido por guardar a primeira igreja neogótica do Brasil, listado como Patrimônio Histórico do Brasil. Além disso, o Santuário fica dentro de uma reserva particular que é uma das Sete Maravilhas da Estrada Real, provavelmente um dos lugares mais lindos de Minas Gerais. Localizada a cerca de 120 km de Belo Horizonte, o Santuário do Caraça é um destino ideal para quem procura espiritualidade, história, trilhas, cachoeiras e aquela culinária mineira deliciosa.
Passei um final de semana lá numa imersão espiritual e ecológica incrível, em meio aquelas lindas montanhas. Confesso que, à princípio, fui atraída apenas pela possibilidade de ver o lobo-guará de pertinho, mas chegando lá encontrei muito mais que esperava. Foi um final de semana muito especial.
História do Santuário do Caraça
A história do fundador do Santuário do Caraça é controversa e cheia de lacunas e lendas. Especula-se que o português Lourenço pertencia à família Távora que era acusada da tentativa de assassinato do Rei D. José I em 1758. Pra fugir da perseguição, Lourenço escondeu-se num navio e veio parar no Brasil. Chegando aqui foi trabalhar nas minas em Diamantina, mas, por conta de algum crime relacionado à extração das pedras preciosas, Lourenço teve que refugiar-se novamente. Escolheu um convento de freis franciscanos para disfarçar-se, e passou a ser chamado de Irmão Lourenço, como ficou conhecido. Ali ele prestou juramento à Nossa Senhora Mãe dos Homens, prometendo erguer uma capela em sua homenagem, caso ele saísse daquela situação. Foi em 1774 que ele começou a construir a pequena ermida de madeira na Serra do Caraça e a fazer trabalhos sociais e religiosos.
Com o passar dos anos Lourenço, ficando velho e doente, fez um testamento antes de sua morte e doou a capelinha para a Coroa Portuguesa, na esperança de que desse continuidade ao seu legado. Seu sonho era que construíssem ali uma escola. Após a sua morte, estavam chegando ao Brasil dois padres portugueses, Leandro e Viçoso, que receberam a herança do Irmão Lourenço e a incumbência de construir ali o colégio, que foi fundado em 1820 com quatro alunos vindos do Rio de Janeiro.
Construção do atual Santuário do Caraça
Em 1876 os Padres resolveram demolir a capelinha de Lourenço e construir no lugar o atual Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, já que ela não comportava mais o número de pessoas que a visitavam.
Tragicamente em 1968 um incêndio destruiu boa parte das instalações da escola e os livros da enorme biblioteca. O acidente foi causado por um fogareiro na sala de encadernação, que inclusive fica ainda exposto no museu do santuário. Ninguém se feriu e os alunos conseguiram salvar vários objetos, inclusive livros raros, mas, infelizmente esse episódio pôs fim ao Colégio e Seminário do Caraça que por 150 anos foi considerado um dos melhores do Brasil, formando mais de 11 mil jovens, entre eles dois ex-presidentes da República: Afonso Pena e Artur Bernardes.
A Serra do Caraça
Localizado nos arredores da Serra do Espinhaço, numa área de proteção ambiental, o parque fica numa zona de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, dois biomas riquíssimos do Brasil. São mais de 11 mil hectares de área com nascentes, cachoeiras e rios. Suas montanhas têm picos entre 1.200 e 2.080 metros de altitude. A fauna e flora é tão rica que foi transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e agora é uma área eternamente protegida.
O nome Caraça vem da montanha que lembra o perfil de um rosto humano esculpido naturalmente. O que pesa contra esta explicação é o fato da palavra ser usada no masculino e não no feminino (Serra da Caraça), como deveria ser, já que caraça no sentido de cara grande é uma palavra feminina. Em tupi-guarani “caraça” significa desfiladeiro, que é outra explicação possível para o nome da serra. Estando lá não deixe de fazer a trilha até a Pedra da Paciência para ver essa montanha de perto.
O que fazer no Santuário do Caraça
Há muito o que fazer dentro do complexo do Santuário do Caraça. Visite a igreja e o museu que ajudam a preservar a história desse lugar incrível. À noite não perca a oportunidade de ver o lobo-guará de pertinho, símbolo do Cerrado, maior canídeo do continente, e que está em risco de extinção. Aproveite para descansar depois do farto almoço preparado em fogão a lenha. Conecte-se com Deus, no interior da igreja, ou caminhando pelas trilhas como eu fiz. Aliás, faça todas as trilhas que puder, veja a mata verdinha e aprecie o silêncio da natureza. E, claro, não esqueça de agradecer a oportunidade de conhecer esse lugar sagrado, com tanta beleza, história e fé. Como disse Dom Pedro II: “Só o Caraça paga toda a Viagem a Minas”.
A hora do lobo
Uma das principais atrações é “a hora do lobo”, uma experiência que é exclusiva para os hóspedes da pousada do santuário. Logo depois do jantar, às 19:30, uma bandeja de carnes e frutas é colocada no chão em frente à igreja. Os hospedes sentam-se nas escadas e nas cadeiras do adro aguardando um encontro que não tem hora marcada. Enquanto isso, monitores puxam conversas informais sobre educação ambiental e sobre as características dos lobos. Sabia que o nome “guará” vem do tupi-guarani, a língua dos indígenas, e significa “vermelho”?!
E de repente alguém avisa: ele tá vindo! A ansiedade fez os corações baterem forte dentro do peito. Era preciso ficar em silencio completo para não assustar o lobo que é uma animal arisco e medroso. Tva vindo uma fêmea. Ela primeiramente olhou pra todas as pessoas, como se estivesse pedindo permissão, e caminhou até a bandeja de carnes, tudo ali bem pertinho da gente. Estávamos a menos de três metros de distância. Simplesmente fantástico!
Passei duas noites no Santuário e tive a sorte de ver os lobos nos dois dias. Na primeira noite eles chegaram bem cedo. Antes mesmo da bandeja de carnes ser oferecida, já estavam rondando o pátio frontal da igreja, que após as 18hs fica interditado. Com certeza já estão acostumados a receber comida pois essa rotina já acontece há mais de 40 anos. Imagino que estejam na 3ª ou 4ª geração de lobos.
A Matilha de lobos
Tudo começou em 1982 quando os padres desconfiaram de lixeiras reviradas. À princípio acreditavam que eram cachorros, até descobrir que eram lobos. De lá pra cá os padres passaram a oferecer comida diariamente aos lobos criando um ritual de aproximação com os animais. O importante é que essa comida seja só um aperitivo pra que eles nunca entrem na zona de conforto e percam seu instinto de caça. Que permaneçam selvagens, vivendo em seu ambiente natural.
Primeiro chegou a fêmea da matilha que comeu ali na nossa frente e levou “pra viagem” o que ela conseguiu segurar com a boca para seus filhotes. Em outro momento veio o macho, grande e autoritário. Um filhote se aproximou e ele rosnou, avisando que aquele momento era só dele. É assim a natureza selvagem. Ficamos imaginando se aquele macho era o pai daquele filhote. Depois apareceu uma raposinha do cerrado. Disseram que de vez em quando aparece uma anta enorme, mas não apareceu naquela noite. No primeiro dia fiquei ali encantada até a bandeja de carnes acabar, que foi por volta das 22h. Como falei o encontro não tem hora marcada, eles podem chegar cedo como podem vir no meio da madrugada, mas nos dois dias que passei no Santuário eles não demoraram muito pra chegar.
Fiquei muito impressionada com a beleza do animal, suas cores e tamanho. O lobo guará é alto, com pernas compridas e pelagem dourada. As patas e os pelos da nuca são pretos. Já a cauda, o papo e um pouco do rosto são brancos. As orelhas, com interior também branco, se movimentam como um radar, captando todos os sons e movimentos. Que momento, meus amigos!
A Igreja Neogótica
Construído no estilo francês, o santuário Nossa Senhora Mãe dos Homens é considerado a primeira igreja neogótica do Brasil. Rodeado por montanhas e muito verde, a igreja foi toda construída utilizando-se material da região como pedra sabão, mármore e quartzito. Sua torre tem 48 metros de altura e por dentro tem vitrais coloridos que foram feitos na França e doados por D. Pedro II. Repare nos arcos ogivais, tão caraterístico da arquitetura gótica.
Diferente dos rebuscamentos, dramaticidades e complexidades do Barroco e Rococó, a construção dessa igreja é feita de linhas retas e cores frias. Sem exageros ornamentais, a arquitetura neogótica valoriza o simples e a pureza estética.
É uma igreja ampla e clara. Suas janelas e vitrais estão ali para anunciar que as luzes dos novos tempos levam um novo encontro com Deus. O apelo religioso do neogótico não é mais ao emocional como era no barroco, e sim ao racional, à capacidade intelectual do ser humano. Se, no barroco, os altares das Igrejas davam a impressão de que Deus era soberano sobre o fiel, na igreja neogótica toda a construção é feita para que o fiel possa alcançar Deus pelo conhecimento, influenciado por ideias iluministas e inspirados na pintura renascentista.
Aliás, uma pintura de 1828 de Mestre Ataíde, artista contemporâneo de Aleijadinho, nos remete a esse estilo. De grandes proporções, o quadro é uma linda réplica da “Santa Ceia”, uma das obras-primas de Leonardo da Vinci. Além da pintura, não deixe de ver o antigo órgão com 700 tubos e o corpo embalsamado de São Pio que fica numa caixa de vidro perto do altar.
Trilhas e Cachoeiras da Serra do Caraça
No entorno do Santuário do Caraça existem trilhas com duração, trajetos e dificuldade variadas. A maioria delas são autoguiadas. O acompanhamento de guias só são necessários nos picos e é preciso agendar previamente. Não deixe de passar no centro de visitantes do Santuário que fica em frente a lanchonete. Ali você vai obter todas as informações e um mapinha bem legal.
As principais trilhas (fáceis e autoguiadas) levam:
- à Cascatinha (2km), uma linda cachoeira com quatro quedas d’água e poços cristalinos,
- ao Banho do Imperador, onde, segundo relato no próprio diário, Dom Pedro II tomou banho,
- à Pedra da Paciência, de onde se pode ver a caraça que eu comentei acima e
- ao Cruzeiro, de onde se tem a vista do complexo inteiro e você terá ideia da imensidão do parque.
- à Capelinha através de uma trilha íngreme de 2 km, que exige certo esforço, mas que rende uma bonita vista. Logo no início dessa trilha está o pequeno cemitério onde vários padres estão enterrados.
Se quiser ir um pouco mais longe vá até a “Cascatona”, são 6 km (umas 2 horas de caminhada só de ida) até chegar na cachoeira de aprox. 80m.
O Museu do Santuário
O Museu fica dentro das ruínas do antigo prédio que foi incendiado. Ali encontram-se móveis e objetos natigos usados pelos padres e alunos e que, felizmente, não foram destruídos pelo incêndio. As camas em que D. Pedro II e Teresa Cristina dormiram estão ali ainda expostos.
No segundo andar do prédio fica a Biblioteca que guarda obras e livros que são verdadeiras relíquias. São cerca de 2.500 obras raras, incluindo a enciclopédia “Historia Naturale”, de autoria de Plínio, O Velho, que data de 1489.
A Pousada do Santuário
Muitos visitantes vem para passar apenas o dia, mas se você tiver a chance de se hospedar na Pousada do Santuário vai ter uma experiência muito mais completa. Durante o dia o complexo fica movimentado em função da grande de quantidade de visitantes que vem passar o dia. Mas de manhãzinha é muito tranquilo, senti uma paz enorme acordar naquele lugar. E claro, ao anoitecer tem “a hora o lobo”, experiencia exclusiva para hospedes.
Eu já tinha me hospedado outras vezes em lugares históricos, mas nunca dentro de um mosteiro como esse. Cultivo minha espiritualidade, mas não sou uma religiosa praticante. Lá tive vontade de assistir à missa, me aproximar dos padres que com carinho abrem as portas de sua casa que originalmente acolhia apenas peregrinos. Desde os anos 1970 que o Santuário serve como pousada para o público em geral.
As acomodações são simples e confortáveis. As diárias incluem as refeições em regime de pensão completa, visita ao museu e a entrada na Reserva Natural. Se tiver a chance reserve o aposento onde D. Pedro II passou a noite! Reservas devem ser feitas com antecedência pelo email centraldereservas@santuariodocaraca.com.br.
A culinária mineira
A experiencia gastronômica no Caraça é completa. A hospedagem inclui café da manhã, almoço e jantar. Vou começar a contar do café da manhã, que é servido no refeitório onde as crianças do internato faziam suas refeições. Sucos variados, salada de frutas, pão de queijo quentinho, queijos variados incluindo o canastra e o melhor… você pode preparar seu ovo no fogão a lenha.
No almoço e Jantar foram servidos em esquema de buffet self-service no refeitório principal. Havia uma boa oferta de saladas, com hortaliças e legumes colhidos na horta orgânica do Santuário.
Fartura no quesito culinária com feijões tropeiros, frango com quiabo, polentas, carne de porco e de vaca. Serviram até peixe. E as sobremesas incluíam compotas de frutas e doce de leite acompanhados do delicioso queijo mineiro. Tudo fabricado ali mesmo. O barzinho do salão vende bebidas à parte, incluindo cervejas artesanais e vinhos.
Como chegar, Quando ir e quanto tempo ficar
De carro do Rio de Janeiro são cerca de 500 km e de São Paulo 700 km. Eu preferi pegar um voo até BH, alugar um carro no aeroporto e dirigir até a Serra do Caraça que fica a 120 km de Belo Horizonte, entre dois municípios mineiros, Catas Altas e Santa Bárbara.
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O Santuário do Caraça pode ser visitado todos os dias das 8h às 16h30 (entrada até 15h). O ingresso custa R$25 de segunda a sexta e R$35 aos finais de semana ou feriados. Crianças até 05 anos não pagam e maiores de 60 pagam meia.
Espero que tenha curtido minhas dicas do Santuário do Caraça. Eu adorei e depois de tanta história, da experiência com o lobo, as cachoeiras, a serra, a mata e a culinária mineira, só tenho uma vontade: voltar! Se você gostou desse artigo, deixe um comentário aqui abaixo pra eu saber da sua visita. E se tiver qualquer dúvida, pode mandar mensagem por aqui ou através do meu Instagram @ViagenseOutrasHistorias que terei prazer em responder.
Obrigada pela visita e volte sempre!
